CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL E REGIME LEGAL DE BENS: quando o amor acaba; e agora José?!
O casamento, para além do enlace afetivo, trata-se de um contrato especial oriundo do Direito de Família, que – apesar da restrição legislativa – permite jurisprudencialmente, desde 2013, a união entre pessoas do mesmo sexo deixando de lado o tradicional “homem e mulher” (se quiser saber mais, acesse o vídeo: https://www.scottaadvocacia.com.br/familia-homossexual-direitos-conquistados/).
A partir de sua celebração, os cônjuges assumem mutuamente a condição de consortes responsáveis pelos encargos de família, envolvendo a comunhão de afetos com ajuda recíproca. Vejam que aqui nos referimos também à ajuda econômica!
Pois bem, para a efetiva celebração do matrimônio, se faz necessária a análise da capacidade dos nubentes (artigos 1.517 e seguintes do Código Civil) e se há, para aquele casal, impedimentos para casar (artigos 1.521 e seguintes do Código Civil). Essa verificação se dá através do processo de habilitação para o casamento, que acontece pela via extrajudicial.
Por outro lado, a união estável – ao contrário do casamento – não necessariamente assume esse caráter contratual, já que se trata de relação afetiva de fato. Essa outra modalidade de família teve sua concepção através da Constituição Federal de 1988, pelo texto contido no artigo 226, que assim menciona:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (…)§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (…)” (GRIFO NOSSO)
Dessa forma, para sua caracterização e eficácia no mundo jurídico se faz obrigatório o preenchimento dos requisitos impostos pela lei aplicada à espécie (veja o artigo: https://www.scottaadvocacia.com.br/da-familia-convivencial-a-tal-da-uniao-estavel/).
Em poucas palavras, diz-se que na união estável deve existir convivência duradoura, com atributos semelhantes ao casamento. E tanto é verdade que atualmente é aplicado às uniões estáveis as regras sucessórias (de partilha por morte) atribuídas ao casamento.
É sabido, inclusive, que a união estável pode ser convertida em casamento e deve ter tal conversão facilitada pela lei e pelo poder público, como bem demonstrado no parágrafo terceiro do artigo 226 supra citado.
Desse modo, em havendo uma união afetiva construída pelo casamento ou pela união estável, haverá – por certo – a designação de um regime de bens, que servirá de norte para regrar a relação patrimonial entre estes casais, sejam eles denominados como cônjuges ou companheiros.
Regime de Bens
Ao ingressar com o pedido de habilitação para o casamento ou se formalizar documentalmente a união estável (por contrato particular ou escritura pública), se faz obrigatória a escolha do regime de bens. Caso essa escolha não seja realizada previamente pelos noivos ou companheiros, o que a lei entende seja uma faculdade para eles, fica estabelecido como regime de bens aquele determinado como legal.
Desde 1977, com o advento da lei nº 6.515, o regime legal é o denominado COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, constante do artigo 1.658, do Código Civil.
No regime atualmente estabelecido como legal comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal na constância do casamento ou da união estável, que se denominam como aquestos. Isso quer dizer que os bens que cada um possuía antes do início da relação, bem como aqueles oriundos de sucessão (herança) ou doação, não se comunicam com o outro parceiro.
Sobre esses bens adquiridos na constância da união caberá para cada cônjuge ou companheiro o equivalente ao percentual de 50% (cinquenta por cento), ou seja, a metade do patrimônio amealhado. Importante ressaltar que a metade dos bens de cada parceiro será, via de regra, preservada em caso de eventual penhora por dívida exclusiva do outro, exceto se tal débito tenha beneficiado aquele cônjuge ou companheiro que pretende a proteção de sua meação.
Diante dessa normativa, podemos dizer que existem “os meus bens”, “os teus bens” e “os nossos bens”. Em caso de partilha por morte de um dos cônjuges ou companheiros, deve-se observar as regras sucessórias, nas quais estabelecem a possibilidade de concorrência nos bens entre o viúvo(a) e os herdeiros (artigo 1.829, do Código Civil).
Divisão de bens no casamento e na união estável
Essa “concorrência” remete à divisão do patrimônio sobre os bens que eventualmente não se comunicam, aqueles chamados de “particulares”, recebendo o viúvo quota-parte além de sua meação, isto é, para mais de sua metade dos bens adquiridos durante união.
Vejamos, se por exemplo João e Maria são casados ou possuem uma união estável desde 2017 e em qualquer dos casos o regime eleito tenha sido o legal, da comunhão parcial de bens, tendo o casal adquirido durante essa união uma casa, sendo que antes da união João já possuía um veículo. Após alguns anos João vem a falecer, deixando a viúva e um filho de nome José. Haverá para partilha os seguintes bens: uma casa e um veículo. Logo, diante do antes explicitado, Maria terá direito à 50% da casa mais 50% do veículo, posto que neste exemplo Maria figurará na partilha na qualidade de meeira e herdeira.
Em contrapartida, se no mesmo exemplo a partilha ocorresse em vida, ou seja, se João não tivesse falecido, Maria teria direito tão somente à 50% da casa.
Então pessoal, vejam que a eleição do regime de bens que regerá a relação patrimonial do casal, seja em vida ou após a morte, é de suma importância. Ademais, elegendo-se outro regime de bens que não o legal haverá a possibilidade de se programar a forma de partilha eventual, seja em vida ou após a morte de um dos parceiros, evitando-se problemas e atritos futuros.
A lei permite aos casais essa faculdade, por meio do chamado pacto antenupcial nos casos de casamento ou do próprio contrato ou escritura pública nos casos de união estável. Porém, como dito antes, não exercendo as partes tal direito, o legislador previu que o Estado tem a obrigação de assim fazê-lo, entendendo que houve por parte dos cônjuges ou companheiros a eleição tácita do regime legal vigente.
Assim, uma vez eleito o regime, seus efeitos legais surtirão de imediato, não podendo as partes modificá-los. Há de se deixar claro, por oportuno, que o regime de bens estabelecido, seja por escolha tácita ou expressa, pode ser modificado através de procedimento judicial desde que as partes estejam de comum acordo e todos os requisitos legais tenham sido preenchidos.
Ante ao acima exposto, espera-se que os casais percebam a importância da escolha prévia do regime de bens, tanto para o casamento como para a união estável, procedendo à tal eleição de maneira consciente e correta de acordo com o perfil de cada casal, de modo a diminuir os desenlaces patrimoniais que chegam ao Judiciário. Nossa intenção é estabelecer uma conexão com o leitor, de modo de que a informação publicada possa ser útil e contribua positivamente na vida dos mesmos.
Advogada, graduada pela Unisinos; inscrita na OAB/RS 71.434; Especialista nas áreas de Direito Civil, com ênfase em Família e Sucessões, e Imobiliário; Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/RS; Integrante da Comissão de Infância e Juventude do IBDFAM/RS.