Inventário – o que você precisa saber e quais as diferenças entre as modalidades judicial e extrajudicial
A temática sobre o inventário de bens deixados por alguém, após a sua morte, é objeto de muitas polêmicas. Isso porque a sociedade está acostumada com a ideia de que os processos judiciais de inventários são extremamente morosos, alongando-se por anos e em muitos casos sem uma solução efetiva e prática aos herdeiros da maneira esperada por eles.
Acontece que tais processos judiciais são – ou ao menos deveriam ser – conduzidos de forma prática, uma vez que o inventário de bens é procedimento, via de regra, célere e com único objetivo de dar a cada herdeiro o que é seu por direito, após a quitação de eventuais dívidas e despesas de titularidade do falecido, autor da herança.
Ocorre que em muitas das vezes os inventários são ingressados com parte da documentação faltante, o que acarreta a necessidade de tomada de decisões e atos pelo judiciário de modo a garantir a condução dos autos do processo corretamente. Logo, se o pedido de inventário se der de forma completa, haverá – sem sombra de dúvidas – a tão esperada celeridade no procedimento.
Nesse diapasão, vale dizer que a herança é transmitida aos herdeiros, necessários ou legatários, através do evento morte, de pronto e num todo; sem, contudo, individualizar o patrimônio deixado. Esse fenômeno ocorre pelo chamado princípio da saisine.
Logo, o inventário é medida judicial utilizada apenas para partilhar a herança já transmitida do morto para os herdeiros. E, se houve transmissão de patrimônio, haverá igualmente imposto a pagar; e não só ele, já que para realização do inventário, haverão os custos que seguem: custas processuais ou emolumentos, imposto causa mortis (ITCMD) e honorários advocatícios.
Além disso, é preciso mencionar que terá legitimidade para o ingresso do pedido de inventário o interessado, devendo ser obedecida a ordem legal estabelecida no rol abaixo, conforme dispõe o artigo 617, do Código de Processo Civil, vejamos:
I – o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;
II – o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados;
III – qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio;
IV – o herdeiro menor, por seu representante legal;
V – o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados;
VI – o cessionário do herdeiro ou do legatário;
VII – o inventariante judicial, se houver;
VIII – pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial.
Ainda, haverão documentos básicos para instruir o pedido em comento, que – se juntados desde o início, oportunizarão a conclusão do inventário de modo eficaz e com a celeridade que se espera, quais sejam: certidões de óbito, nascimentos e casamentos das partes e do falecido; certidões negativas fiscais; documentos registrais de todos os bens; documentos pessoais dos herdeiros e cônjuges; extratos bancários; e demais documentos eventualmente existentes relativos aos bens a partilhar. Lembrando que valores devidos por empregadores e montantes retidos em contas bancárias, quando de forma isolada, podem ser objeto de pedido de alvará judicial, desnecessitando de realização de inventário no ponto.
Assim, ultrapassada essas informações iniciais, passamos às modalidades existentes:
- JUDICIAL: podendo se dar pela via litigiosa ou por arrolamento (quando há consenso), sendo obrigatório quando houver interessados/herdeiros incapazes (incluindo nascituros) ou em não havendo acordo entre as partes, bem como se houver testamento que verse sobre partilha de bens. O foro competente é o do domicílio do falecido, com pagamento de custas processuais;
- EXTRAJUDICIAL: se compara ao arrolamento judicial, previsto no artigo 659, do Código de Processo Civil, havendo a necessidade de que os interessados/herdeiros sejam todos capazes e concordes, admitindo a existência de testamento já registrado, sendo processado por escritura pública, com o pagamento de emolumentos. Nesta modalidade não há obrigatoriedade de obediência à quaquer foro, podendo ser realizado no Tabelionato de Notas de eleição das partes.
Vale ressaltar, que a legislação prevê a existência de inventário NEGATIVO, no qual se processará a informação de que o falecido não tenha deixado bens a inventariar, com intuito de assegurar aos herdeiros a ausência de responsabilidade sobre eventuais obrigações do morto, as quais se darão nos limites da herança. Além disso, o inventário negativo visa afastar também a causa suspensiva para nova relação matrimonial do viúvo, evitando confusão patrimonial entre uma relação afetiva e outra, de modo a preservar os direitos de eventuais filhos existentes da primeira relação, pois – caso contrário, se não realizado o inventário negativo, o novo casamento se dará pelo regime da separação obrigatória de bens, conforme dispõem os artigos 1.523, inciso II, e 1.641, inciso I, ambos do Código Civil.
Nestes casos, cuja espécie de inventário não possui bens a partilhar, o processamento se dará no foro de domicílio do falecido; podendo, todavia, ser viabilizado extrajudicialmente, por escritura pública.
Por outro lado, ao tratarmos do presente tema, pensamos ser de suma importância o referenciamento no tocante às questões de alta indagação, as quais não podem ser julgadas no processo de inventário, por tratarem-se de questões de fato, que necessitam de produção de outras provas que não apenas a documental, restando obrigatória a discussão e julgamento em ação própria pelas vias ordinárias, suspendendo o inventário. Temos como exemplo o litígio entre herdeiros quando se discute a paternidade/filiação de um deles ou existência ou não de união estável do morto, o que acarretará em modificação do quinhão de cada herdeiro e a declaração de existência ou não de meação face à relação de parentesco, afinidade e convivência dos envolvidos com o falecido.
Da mesma maneira ocorrerá quando um dos herdeiros for ausente ou revel, ou ainda, incapaz com conflito de interesses com seu representante legal, sendo – nestes casos – nomeado curador especial pelo juíz, visando garantir minimamente a defesa destes interessados. A curadoria especial é exercida pela Defensoria Pública, nos termos do artigo 671, do Código de Processo Civil.
A representação do falecido se dará em dois momentos: 1) quando aberta a sucessão pelo evento morte, sendo nomeado de espólio, com a qualificação de todos os herdeiros; e 2) quando nomeado inventariante e este houver prestado o devido compromisso (artigo 1.797, do Código Civil), passando a representar toda gama de herdeiros.
Importante destacar que se o falecido tiver deixado processos judiciais ativos em que era parte, se não for caso de extinção do feito nos termos da lei, o inventariante deverá se habilitar nos autos de cada processo, dando prosseguimento à causa; e, em sua falta, deverá – então – ser habilitado o espólio, com a inclusão de todos os herdeiros como parte.
No tocante à jurisdição internacional, é preciso frisar que o Brasil possui competência exclusiva nos casos de bens localizados neste território nacional, mas com falecido de nacionalidade estrangeira, devendo o inventário ser processado neste país ou no Consulado, não sendo admitida partilha de bens realizada em outro país.
Outra questão interessante é quanto à possibilidade de cumulação de inventários, uma vez que traz rapidez e economia aos herdeiros. Nestes casos, será possível processar mais de um inventário nos mesmos autos processuais ou através da mesma escritura pública quando houver (artigo 672, Código de Processo Civil):
- Identidade de herdeiros;
- Herança de cônjuges ou companheiros;
- Dependência entre partilhas.
Posto isso, acreditamos ser estas as questões de maior questionamento e que, de modo geral, classificam-se como necessárias e válidas para elucidar as dúvidas das partes, ao menos em um primeiro momento. Fatalmente cada causa é única e, portanto, demanda de análise personalizada. Para tanto, caso surjam outras dúvidas, entre em contato conosco.
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Advogada, graduada pela Unisinos; inscrita na OAB/RS 71.434; Especialista nas áreas de Direito Civil, com ênfase em Família e Sucessões, e Imobiliário; Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/RS; Integrante da Comissão de Infância e Juventude do IBDFAM/RS.