Aluguel entre herdeiros ou cônjuges/companheiros é possível?
A cobrança de aluguel sobre determinado bem (no caso presente, de bens imóveis) pressupõe a existência de propriedade sobre ele; isto é, existe a necessidade de que aquele que pretenda cobrar aluguel pelo uso de certo bem seja o legítimo proprietário do mesmo.
Aqui vigem as regras que regem o instituto do condomínio, uma vez que estamos a tratar de imóveis pertencentes a mais de um co-proprietário, podendo estes classificarem-se como condôminos na qualidade de herdeiros ou cônjuges/companheiros. O Código Civil traz a matéria em seus artigos 1.314 e seguintes.
É claro que na hipótese de relação afetiva convivencial, onde tratamos da união estável, por vezes o bem imóvel poderá estar resgistrado tão somente em nome de um dos conviventes, mas sendo ambos possuidores; o que não desqualificará a obrigação de pagamento de aluguel, como veremos adiante.
Nesse norte, iniciamos a análise no tocante à obrigatoriedade relativa aos condôminos oriundos de relação afetiva, cuja união poderá se dar por meio do casamento ou da união estável. Nestes casos, devemos lembrar que quando houver a utilização exclusiva por qualquer dos condôminos, ou seja, por apenas um dos cônjuges ou companheiros, sem a possibilidade de uso pelo outro, enquanto o bem estiver pendente de partilha, haverá a possibilidade de indenização por meio de pagamento de aluguel.
Isso porque o uso exclusivo por apenas um dos condôminos, sem indenizar a outra parte, que estará sem se beneficiar do bem que também é seu, caracterizará enriquecimento sem causa do possuidor, nos termos do que prevê o artigo 884, do Código Civil.
Entretanto, o montante a ser pago de aluguel corresponderá apenas à metade do valor de mercado, uma vez que a outra metade diz respeito à meação daquele que ocupa o bem para uso próprio.
Vale trazer ao esclarecimento de que se o ex-casal for dono de mais de um bem imóvel e cada um deles estiver na posse de um dos bens, não há que se falar em aluguel, desde que ambos os bens tenham o mesmo valor de mercado ou valor aproximado. O contrário ocorrerá, se uma das partes estiver na posse de uma casa na cidade com valor de R$ 1.000.000,00 e a outra parte com a posse de uma casa na praia com valor de R$ 500.000,00, devendo – neste caso – se dar a compensação dos montantes, para fins de cálculo de aluguel.
Desse modo, o pedido de arbitramento de aluguel deve ser deduzido na petição inicial da ação de família, seja ela de divórcio ou de reconhecimento/dissolução de união estável, com a obrigação de pagamento desde sua fixação pelo juízo competente. Ainda, importante deixar registrado, que a constituição do devedor em mora também poderá se dar mediante notificação extrajudicial, que realizar-se-á antes do ingresso da ação judicial acima mencionada, devendo tal documento instruir a demanda de família. Vale aqui o uso do instrumento da ata notarial, com o fito de dar validade ampla ao documento antecipatório de prova.
Outrossim, no que se refere à possibilidade de cobrança de aluguel entre herdeiros, vemos que a regra se constrói sob o mesmo fundamento do condomínio, posto que a herança é transmitida de pronto aos herdeiros pelo princípio da saisine, através do evento morte, restando somente pendente a partilha.
Assim, estando o bem imóvel objeto de inventário sob a posse de apenas um ou mais herdeiros, de forma a impedir o uso pelos demais, haverá a possibilidade de fixação de aluguel igualmente neste caso.
Como é sabido, com a abertura da sucessão, todos os herdeiros têm direito, em regra, de usar e fruir dos bens integrantes do espólio, de modo que o exercício desse direito por apenas um dos beneficiários, surge para os demais, HAVENDO OPOSIÇÃO, o direito de perceberem aluguel, dada a indivisibilidade da coisa.
O termo inicial dos aluguéis igualmente deve ser estabelecido conforme acima explanado, ou seja, a contar da oposição incontroversa dos demais condôminos, cujo ato configurará o momento em que o ocupante toma ciência da efetiva oposição à fruição exclusiva.
Nessa linha de pensamento, não há como descurar que o valor a ser arbitrado pelo julgador singular a título de aluguel não poderá estar embasado em qualquer avaliação imobiliária, sendo meramente aleatório, estimativo. Nesse viés, inexistindo qualquer adminículo de prova no sentido de que o valor a ser fixado pelo juízo de origem condiz com o valor praticado no mercado imobiliário, ou seja, de que não se trata de valor excessivo ou irrisório, conclui-se que o valor a ser pago, a título de locativos, seja sempre arbitrado após apresentação de, pelo menos, três avaliações imobiliárias, devendo ser considerado o cálculo proporcional ao quinhão de cada herdeiro.
Diferentemente da esfera familiarista, no campo das sucessões a cobrança de alugueis deve se dar em ação própria e não na demanda de inventário.
De todo trazido alhures, percebe-se que a possibilidade de cobrança de aluguel é amplamente possível em ambos os casos, tanto entre cônjuges e companheiros, como entre herdeiros, desde que não configurado o comodato, que é o instituto no qual ocorre a permissão do uso, sem qualquer oposição.
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Advogada, graduada pela Unisinos; inscrita na OAB/RS 71.434; Especialista nas áreas de Direito Civil, com ênfase em Família e Sucessões, e Imobiliário; Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/RS; Integrante da Comissão de Infância e Juventude do IBDFAM/RS.