Abandono Afetivo: o desamor nas relações familiares e o dever de indenizar

Não são raras as demandas, que batem na porta de nosso escritório, oriundas de abandono afetivo. O mais cruel em casos desta natureza é a conscientização, daquele que não recebeu o afeto necessário quando deveria, de que não se pode obrigar alguém à amar. Portanto, em situações tais se busca, quase que em 100% dos casos, apenas uma reparação pelo dano causado.

Preparem os lenços, pois estamos aqui para falar de amor; ou melhor, sobre a falta dele. É lastimável, mas é a realidade de muitos filhos desse nosso mundão, que está cada dia mais fútil.

A temática trazida neste artigo não é algo novo; pelo contrário, há muito se viu situações de abandono afetivo desde as famílias mais primitivas. Acontece que com a evolução da sociedade, e naturalmente das famílias, a legislação observou a necessidade de regrar tal instituto.

O abandono afetivo nada mais é que a ausência, o descaso, a rejeição e tantos outros sentimentos advindos das relações entre pais e filhos, culminando no abandono deste último no tocante ao afeto que deveria receber daquele que tem o dever de cuidado para com ele. Com isso, essas ações ou omissões da figura materna ou paterna violam a honra e a imagem dos filhos, já que estes são sujeitos em desenvolvimento físico e psíquico.

Alguns acreditam que a assistência material prestada ao filho, através do pagamento de pensão de alimentos, é suficiente para o bom desenvolvimento da criança e do adolescente. Como diriam os jovens desta geração: “só que não!”. (GRIFO NOSSO)

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O filho, que “não pediu para nascer” (expressão esta muito conhecida), tem direito ao cuidado por meio da pessoa dos pais e neste cenário inclui-se a assistencia material e moral. (GRIFO NOSSO) Veja-se que a paternidade/maternidade provoca o surgimento de deveres inerentes à criação dos filhos, como a educação e a convivência familiar saudável baseada no afeto.

Percebemos que o princípio da afetividade está interligado com o princípio da maternidade/paternidade responsável. E se assim o é, resta claro que em casos de abandono afetivo haverá o dever de reparar os danos sofridos pelo filho por meio de uma indenização pecuniária (em dinheiro), posto que, uma vez crescido esse filho e atingida a maioridade, ele não conseguirá mais recuperar o tempo em que não conviveu com aquele pai ou aquela mãe que lhe abandonou afetivamente.

As sequelas dessa falta de cuidado, falta de amor, não serão poucas e talvez a indenização recebida seja uma forma de contribuir para eventuais tratamentos nas esferas psicológica e psiquiátrica.

A Constituição Federal traz em seus artigos 226[1], 227[2] e 229[3] a proteção da família, que é entendida como base da sociedade, assegurando direitos à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade. A lei infraconstitucional igualmente prevê o dever de cuidado, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Vejam que ninguém é obrigado a tornar-se mãe ou pai, mas se isso acontecer – seja de forma programada ou não – surgirá o dever de cuidado desta relação materno-paterno-filial, da qual os genitores devem se desincumbir de tal função satisfatoriamente, sob pena de responsabilização. Ou seja, aquele que não pretende ser pai ou mãe deve precaver-se de maneira eficaz e com responsabilidade.

A indenização mencionada neste artigo é de cunho compensatório, de modo a promover à vítima do abandono um possível “consolo” pela ausência do pai ou da mãe infrator(a). Percebam que nas relações familiares bem estruturadas não vemos filhos drogaditos, alcóolatras e/ou gravidez precoce, bem como não se percebe casos de criminalidade.

Nas famílias de pais (pai e mãe) presentes, leia-se presentes na vida dos filhos, o que nada tem a ver com a relação dos pais enquanto casal, não se verifica registros como aqueles citados acima. As crianças crescem e se desenvolvem em um meio de convivência saudável, com imposição de limites, valores morais e de afeto dos quais contribuem para a vida adulta. Ao contrário de quando se encontra uma família desestruturada, com filhos à mercê do mundo, da tão conhecida “escola da vida”, oportunidade em que se percebe filhos com personalidade comprometida pela falta de suporte familiar, que não tiveram quando foi necessário. (GRIFO NOSSO)

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Em muitas oportunidades se ouve aquela frase “eu crio meu filho sozinha(o) com muito orgulho”. (GRIFO NOSSO) Meu bem, não tenha orgulho, tenha preocupação, pois toda criança precisa de um pai e de uma mãe; uma figura parental jamais substituirá a outra.

Não existe “pãe”, o que a vida apresenta para estas crianças abandonadas afetivamente são pais irresponsáveis, que não compreendem que a dissolução do vínculo conjugal ou convivencial não significa o rompimento ou alteração do vínculo parental. Como se ouve por aí: “existe ex-mulher, ex-marido, mas nunca ex-filho”.

E o mesmo ocorre nas relações afetivas eventuais, nas quais o casal, futuros pais, geram filhos sem a mínima responsabilidade pelo ato.

A paternidade, nas figuras da mãe e do pai, é fundamental na vida de todos, em especial daquele filho em formação psíquica, pois as funções exercidas pelos pais são voltadas para a criação, proteção, acolhimento e afeto da prole. Desse modo, dizemos que, ante a indisponibilidade de tal direito-dever dos pais, toda e qualquer medida a ser tomada em prol dos filhos deve observar o melhor interesse destes.

Nesse sentir, para que se caracterize a responsabilidade civil dos pais em relação aos filhos, culminando no dever de indenizar, deve-se observar não somente o dever de prestar alimentos, mas – também e principalmente – o dever de condução da educação e criação. Se tal função não for desempenhada à contento pelos pais, caracterizando o abandono afetivo, após a maioridade, poderá o filho ingressar judicialmente postulando o que de direito.

O afeto, sobretudo, não está impresso somente nos sentimentos entre pais e filhos, mas também no cuidado que estas relações familiares exigem. Logo, podemos concluir que a indenização buscada pelo filho (vítima de tal abandono) tem caráter punitivo, preventivo e até mesmo pedagógico, com o fito de compensar o filho pelo sentimento de solidão e de não acolhimento que vivenciou seja na infância ou na adolescência, afrontando sua dignidade humana.

Como se diz: o afeto é o alimento da alma.


[1] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[2] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[3] Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

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