Arras na Compra e Venda

Costumeiramente, nos contratos de compra e venda, é exigida certa quantia como forma de “firmeza no negócio” entre os contratantes que lá pactuam. Desta feita, vemos que, nos contratos em geral, deve ser respeitada a vontade das partes e se observar, sobretudo, a boa-fé objetiva daqueles que contratam entre si.

O Estado somente irá intervir nestas relações privadas nos casos em que as partes envolvidas não forem capazes de dirimir seus próprios conflitos. É neste momento que se instaura o litígio e, com isso, se passa a avaliar de forma mais minuciosa as cláusulas daquele contrato então assinado.

Importância de um advogado especializado

É aí que se inicia o trabalho do advogado, quando na verdade a avaliação contratual deveria ter se dado antes mesmo da assinatura do instrumento.

Nas transações imobiliárias existe mais de uma maneira de transferir propriedade. Contudo, no presente artigo, falaremos da compra e venda no que pertine ao instituto das ARRAS.

Ao tratarmos das arras, nos vem à mente algumas características bem importantes, quais sejam: firmeza contratual, como garantia do negócio; parcialidade, porque não pode quitar o débito; natureza fungível ou infungível, já que aceita dinheiro ou outro bem móvel ou imóvel; e, por fim, caráter acessório, justamente em razão de sua necessidade de ser parcial.

Desse modo, podemos dizer que as arras nada mais são que um sinal, o qual pode se dar através de dinheiro ou coisa dada por um contratante ao outro, no caso, pelo comprador ao vendedor, que tem a presunção de firmar a compra e venda e torná-la obrigatória ou, excepcionalmente, garantir o direito de arrependimento.

Vale esclarecer, que, quando um dos contratantes adiantar um bem ao outro, este adiantamento servirá para GARANTIR O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL (ou seja, ver efetivada a compra e venda) OU FIXAR INDENIZAÇÃO PARA PERDAS E DANOS (nos casos de desistência).

Quais são as categorias existentes?

As arras podem ser classificadas em duas categorias: confirmatórias e penitenciais, sendo estas últimas utilizadas de maneira excepcional.

As ARRAS CONFIRMATÓRIAS servem para garantir o cumprimento de uma obrigação principal por meio de um princípio de pagamento, pois a quantia dada inicialmente na conclusão do contrato de compra e venda, mediante a coleta das assinaturas dos contratantes e partes envolvidas, trata-se de um SINAL, que popularmente é conhecido como “entrada”.

Assim, em caso de inexecução contratual esta espécie de arras deve ser restituída – DEVOLVIDA – ao comprador, que é normalmente quem às adiantou. Todavia, se a compra e venda for finalizada, em todos os seus termos, aí poderá se realizar um abatimento do preço (obrigação principal), sem a devolução das arras confirmatórias, desde que ela tenha a mesma natureza da obrigação principal.

Ainda, como mencionado anteriormente, as arras admitem coisa infungível (como um veículo, por exemplo). Nestes casos, no momento da quitação do preço (cumprimento da obrigação principal), as arras necessitam ser devolvidas integralmente, devendo o comprador efetuar o pagamento total da compra e venda.

A não devolução das arras, quando paga através de coisa infungível, pode acarretar em alteração da sua natureza e perder o intuito de garantia, posto que na compra e venda, se parte do pagamento do preço se der através de outro bem, seja ele móvel ou imóvel, estaremos diante do instituto da “dação em pagamento”, conforme entendimento de alguns doutrinadores do Direito.

O que diz a lei

Esta modalidade das arras (confirmatórias) está prevista nos artigos 417 à 419, todos do Código Civil. Tais dispositivos legais mencionam o que segue:

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

Como se vê, como todo e qualquer contrato, a compra e venda igualmente pode não restar concluída, seja por vontade de ambas as partes (quando estaríamos nos referindo ao “distrato”, que não gera ônus a qualquer dos contratantes), seja por inexecução de apenas uma delas.

No caso de inexecução contratual, haverá um ônus para aquele que deu causa ao desfazimento do contrato. Isto é, aquele que não cumprir qualquer das cláusulas pactuadas poderá ser compelido ao ressarcimento ajustado ou previsto em lei.

Sendo assim, na hipótese do artigo 418, se o vendedor for a parte sem culpa na inexecução, poderá ele reter as arras recebidas, considerando desfeita a transação e, em se tratando do comprador como parte inocente e sem culpa pela rescisão contratual, poderá este – então – solicitar a devolução das arras paga, com a devida atualização monetária, juros e demais encargos contratuais.

Prejuízos e indenizações

Ainda, nos moldes do artigo 419, poderá a parte sem culpa pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima; além de exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

Ora, se – por exemplo, o prejuízo do vendedor for de R$ 10.000,00 e as arras dada como entrada for na quantia de R$ 5.000,00, não tendo a compra e venda sido concluída devido ao fato do comprador não ter conseguido contratar o financiamento junto ao banco de sua escolha, pode o vendedor requerer judicialmente, caso não pago de forma amigável, a diferença entre tais montantes, já que tal diferença representa a indenização suplementar à título de perdas e danos. Isso quer dizer que o vendedor poderá reter as arras de R$ 5.000,00 e ainda buscar o pagamento de mais R$ 5.000,00, devendo provar o prejuízo alegado desta quantia.

Por outro lado, se o contrato não prevê expressamente as arras, a retenção destas pelo vendedor representará enriquecimento sem causa, não justificando tal cobrança. As arras, tal como as cláusulas penais, só admitem indenização complementar quando previstas e no que exceder ao valor daquelas.

A circunstância de o valor das arras ter sido pago no momento da assinatura do contrato, como entrada, não presume a sua perda em caso de resolução contratual, devendo constar expressamente no contrato como arras confirmatórias ou sinal.

Portanto, não há falar em retenção de valores quando a quantia paga no momento da conclusão do contrato de compra e venda se trata tão somente de parte do valor total devido, não existindo qualquer cláusula prevendo a função de arras.

Outrossim, as ARRAS PENITENCIAIS – utilizadas como exceção à regra – são aquelas previstas no artigo 420, também do Código Civil, abaixo transcrito. Essa modalidade tem a função de substituir uma cláusula penal do contrato. Trata-se de uma espécie de indenização à parte que não der causa à rescisão do contrato de compra e venda.

Diz o artigo 420: Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.”

Logo, se percebe que – ao contrário das arras confirmatórias – as arras penitenciais servem como aliadas ao direito de arrependimento de qualquer das partes, visando à desnecessidade do ajuizamento de futura ação judicial, justamente porque elas resolvem o contrato de pronto

Com isso, em havendo a previsão de arras contratuais, se não estiver constando expressamente como “arras penitenciais, presume-se que as arras constantes da cláusula contratual são aquelas estudadas acima, denominadas confirmatórias.

Nas arras penitenciais não há a possibilidade de postular indenização suplementar, pois esta forma de sinal de entrada representa o valor máximo de indenização, mesmo que a parte inocente tenha tido prejuízo em montante superior. Dessa forma, aquele que não der causa ao desfazimento do contrato não poderá ingressar com a ação judicial competente, para postular a execução do contrato, mas tão somente receberá a quantia fixada à título de arras penitenciais e nada mais.

Importância da revisão

Por todo exposto, se percebe que o tema abordado tem certa complexidade técnica e demanda de análise do instrumento contratual de compra e venda a ser firmado, de modo que a parte contratante – seja comprador ou vendedor – não tenha prejuízo futuro, por não se respaldar dos cuidados que o caso necessita.

A orientação deixada é para que os contratantes se preocupem em revisar adequadamente o contrato de compra e venda eventualmente a ser firmado, evitando-se desconforto futuro. Caso o contratante não se sinta à vontade para tanto, procure um profissional especializado na área imobiliária, de modo a evitar prejuízos.

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